quarta-feira, 22 de julho de 2009

Negociações internacionais sobre mudanças climáticas: Como garantir avanços?

Pedro Ivo de Souza Batista e Esther Neuhaus *


A contagem regressiva para a realização da 15ª Conferência das Partes (CoP-15) da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas em Copenhague, Dinamarca já começou. Faltam 5 meses, mas é pouco tempo para o que está em questão nesta conferência, durante a qual deve ser tomada uma decisão sobre o futuro do regime global de clima, especialmente no que se refere ao conjunto de metas de redução de gases de efeito estufa para os países industrializados e compromissos para planos e programas nacionais para a mitigação das mudanças climáticas nos países em desenvolvimento.

O que está em jogo nas negociações internacionais?

No caminho para a CoP-15 as negociações se concentram em cinco blocos temáticos, são eles: Visão compartilhada (que visa a definir um objetivo global para a redução de emissões de gases de efeito estufa, de acordo com o princípio de responsabilidades comuns, porém diferenciadas), mitigação (que trata de metas e ações nacionais e internacionais adicionais para reduzir as emissões), adaptação (que pretende definir a cooperação internacional necessária para apoiar a adaptação, por meio de avaliação de vulnerabilidades, capacitação e transferência de recursos, dos países e comunidades mais afetadas pelos impactos das mudanças climáticas), transferência de tecnologia (para apoiar ações de mitigação e adaptação), e apoio financeiro (para apoiar ações de mitigação, adapta ão e cooperação tecnológica).

Nesta CoP-15 será necessário definir as metas de redução das emissões de gases de efeito estufa para os países industrializados após 2012, quando se encerra o primeiro período de compromisso do Protocolo de Quioto. Existem várias propostas na mesa, especialmente no sentido de pressionar estes países a assumir metas profundas. Por outro lado, os países ricos esperam sinais muito claros dos países em desenvolvimento, especialmente dos grandes emissores de gases de efeito estufa como a China e o Brasil. Desta forma, cada um aguarda o outro na realização de seus compromissos, mas é crucial evitar um impasse nestas negociações.

Outra área chave para garantir avanços em Copenhague é a da transferência de tecnologias. Muitos países em desenvolvimento entendem que as inovações e tecnologias relacionadas com as mudanças climáticas devem ser de domínio público e não estar sob um regime privado de monopólio de patentes que obstaculiza e encarece sua transferência. Esta discussão precisa de uma boa avaliação de riscos, para impedir que ocorra a transferência de tecnologias como energia nuclear, agrocombustíveis em grande escala e transgênicos, por exemplo. Os países devem dar prioridade à pesquisa e implementação doméstica e adaptação de tecnologias já existentes e que se mostram socialmente justas e ambientalmente corretas. Também é fundamental garantir o controle e a participação popular nessas escolhas.


Mudanças climáticas na América Latina: Injustiça climática

A América Latina está entre as regiões mais vulneráveis às mudanças climáticas, como foi constatado em relatórios divulgados recentemente pela Comissão Econômica da ONU para América Latina (CEPAL) e pelo Banco Mundial. Os motivos se encontram nas características geográficas muito específicas e na baixa capacidade política de mitigação e adaptação que leva a injustiça climática, uma situação na qual os países que contribuem pouco ou nada com as emissões de gases de efeito estufa são os mais atingidos pelos impactos das mudanças climáticas. A temperatura da região aumentou cerca de um grau durante o século passado, gerando conseqüências como o recuo das geleiras; a ampliação de áreas desérticas; danos causados a pântanos e a zonas costeiras; o risco de retração das florestas da Bacia Amazônica; e um aumento dos desastres climáticos.

As mudanças climáticas causem também severos impactos negativos no sistema socioeconômico da região. O Banco Mundial prevê perdas agrícolas da ordem de US$ 91 milhões (1% do PIB) em 2050 com um aumento de temperatura de até 2ºC. Nas regiões que já sofrem com secas, haverá um aumento da salinização e desertificação do solo. Haverá também aumento de pragas e doenças nas plantações e um aumento da demanda de água para irrigação, gerando uma maior competição por esse recurso. Como os lençóis freáticos estarão mais secos, o custo da produção agrícola será mais alto. Todo esse cenário pode aumentar a desigualdade e a pobreza da população em áreas rurais, além de contribuir para a escassez de alimentos, gerando insegurança alimentar. Na saúde pública as mudanças climáticas podem provocar mais desnutrição e risco de incidência de malária e dengue. Nas áreas urbanas, um dos maiores problemas enfrentados será a falta de água. Estima-se que, em 2055, entre 60 e 150 milhões de pessoas na região sofrerão estresse hídrico. Impactos sérios também se farão sentir no setor da indústria e do turismo, especialmente nas áreas costeiras, em decorrência do aumento do nível do mar.


Crise financeira e as forças do mercado: que modelo de desenvolvimento queremos?

Com o grande número de furações, inundações, incêndios e secas nas mais variadas partes do planeta, parece que o clima está mudando a passos mais rápidos de que as negociações avançam. A crise financeira não deve ser usada pelos governos como desculpa para não assumir compromissos claros para enfrentar a crise climática que é mais grave e permanente que a financeira. Junta-se a este cenário a crise alimentar e a crise dos recursos naturais, que se refere à degradação dos ecossistemas e uso irresponsável dos recursos naturais. No que tange as crises que se relacionam com a natureza, podemos dizer que fazem parte de uma crise mais ampla, a crise ambiental global fruto da insustentabilidade do modelo de produção e consumo hegemônico no mundo.

Na própria discussão de reduzir os impactos das mudanças climáticas tem surgido a proposta da agroenergia, como alternativa de energia renovável em substituição aos combustíveis fósseis. Devido à variedade de grãos, o Brasil e outros países da região apresentam condições favoráveis de produção de agrocombustíveis, especialmente etanol. Espera-se um crescimento do mercado internacional devido ao aumento do preço do petróleo e também porque os países desenvolvidos estão obrigados a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. O próprio Plano Nacional de Mudanças Climáticas do Brasil, lançado no ano passado, afirma que "a expansão da produção brasileira de etanol deverá acompanhar o crescimento do consumo nos mercados interno e externo". Desta forma, considerando a demanda nacional, estima-se um aumento da produção de 25,6 bilhões de litros em 2008 para 53,2 bilhões de litros em 2017. A projeção das exportações no mesmo período salta de 4,2 para mais de 8 bilhões de litros. A produção de etanol não apenas co loca enorme pressão sobre terras e infra-estruturas de transporte, mas apresenta graves problemas sociais como trabalho-escravo e ambientais como queimadas e competição por recursos naturais.

Outro grande risco na discussão sobre a solução da crise climática é colocá-la somente sobre a ótica de mercado, ainda mais em tempos de crise financeira que atestou o fracasso do neoliberalismo. Neste contexto, existem vários mecanismos hoje, entre eles o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, criado pelo Protocolo de Quioto para auxiliar o processo de redução de emissões de gases de efeito estufa por parte dos países industrializados, a partir da implantação de tecnologias limpas em países em desenvolvimento. Embora esses mecanismos tenham que contribuir ao desenvolvimento sustentável nestes países, permite aos países ricos continuar com o seu modelo de produção e consumo, perpetuando o modelo capitalista mundial com uma fachada "verde". Faz-se necessário, além de questionar o predomínio do mercado que também permeia outras discussões atuais nas negociações internacionais sobre mudanças climáticas como aquela sobre REDD (Redução de Emissões provenientes do Desmatamento e da Degradação de Florestas), uma discussão sobre o modelo de desenvolvimento que queremos para a nossa região, o mundo e para as presentes e futuras gerações.


O movimento pela justiça climática e pelo pagamento da dívida climática

Felizmente, existem propostas mais vinculadas ao campo popular para enfrentar a crise climática. Nos últimos anos, a sociedade civil tem se envolvido cada vez mais no debate, apresentando soluções inovadoras, sempre baseadas na defesa da justiça climática. Já uma das contribuições governamentais mais interessantes foi lançada este ano pela Bolívia que defendeu que os países desenvolvidos devem reconhecer a dívida ecológica histórica e climática que têm com o planeta e criar um mecanismo financeiro para apoiar os países em desenvolvimento na implementação de seus planos e programas de adaptação e mitigação das mudanças climáticas; na inovação, desenvolvimento e transferência de tecnologia; na conservação de seus da dívida de emissão (histórica, presente e também futura) e da dívida de adaptação, que representa o custo com o qual os países em desenvolvimento devem arcar para se adaptar aos impactos das mudanças climáticas geradas pelos países ricos.

Na visão da Bolívia, o mecanismo financeiro de pagamento desta dívida deveria contar com um aporte de, no mínimo, 1% do PIB dos países desenvolvidos, sem contar outros recursos provenientes de impostos sobre combustíveis, transnacionais financeiras, transporte marítimo e aéreo e bens de empresas transnacionais. A Bolívia defende claramente que os financiamentos têm que ser dirigidos aos planos e programas nacionais dos Estados e não para projetos que estão sob a lógica do mercado.

Também, a senadora brasileira Marina Silva, na época que era Ministra do Meio Ambiente propôs um pagamento por parte dos países ricos aos países em desenvolvimento que mantiverem suas florestas preservadas. A proposta é reconhecer os serviços ambientais que essas áreas prestam ao planeta e garantir incentivos financeiros para mantê-las, incluindo apoio as populações tradicionais que vivem e trabalha de forma sustentável nestas áreas.


O papel dos movimentos populares e das ONGs na luta contra as mudanças climáticas

Uma atuação firme e constante da sociedade civil é crucial para garantir um bom acordo como resultado das negociações em Copenhague, tanto no sentido de pressionar os governos a assumir metas e compromissos consistentes para enfrentar as mudanças climáticas, como na mobilização e sensibilização da sociedade em geral.

Com relação à pressão interna, é importante lembrar que pelas regras atuais da Convenção de clima, os países em desenvolvimento não estão obrigados a assumir metas quantificadas de redução de emissões, porém devem elaborar planos e programas nacionais mensuráveis que visam a reduzir as emissões e contribuem ao desenvolvimento sustentável. Neste sentido, o lançamento do Plano Nacional de Mudanças Climáticas do Brasil na última conferência de clima que ocorreu no ano passado na Polônia foi muito aplaudido e elogiado. Resta dizer que não será suficiente o Brasil divulgar seus propósitos fora do país e não cumprir com a agenda nacional assumida e divulgada. Reconhecemos, obviamente, o fato de um país em desenvolvimento estabelecer alguma meta para reduzir o desmatamento, que é responsável por 75% das emissões do país, mas o Plano não deve ficar no papel. Serão necessários mecanismos e estruturas de governança e monitoramento do Plano, com forte participação da sociedade civil e das comunidades afetadas pelas mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, é necessário denunciar a falta de coerência entre o Plano e os compromissos assumidos pelo Brasil na Convenção de clima, e demais planos e políticas governamentais como o Plano Decenal de Expansão de Energia 2008-2017 e o próprio Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

É também necessário e viável que outros países da América Latina se comprometam com o enfrentamento das mudanças climáticas, é coerente que cada uma cumpra sua parte para diminuir as emissões de CO2 e diminuir o peso do carbono em suas economias.

Entre várias iniciativas que organizações da sociedade civil lançaram, destacamos a Campanha Global de Clima (Global Campaign for Climate Action/GCCA) que visa mobilizar a opinião pública para apoiar processos de transformação e ação rápida para evitar mudanças climáticas perigosas, com um foco inicial num acordo justo e equitativo na CoP-15. Várias organizações brasileiras já estão envolvidas no braço nacional da campanha, convidando todas as organizações e pessoas interessadas a colaborar, com ações cotidianas, estratégias políticas e mobilização em massa, na luta contra as mudanças climáticas. Esse tipo de iniciativa demonstra que só a sociedade civil e os movimentos sociais organizados podem levar os governos a terem posições mais firmes no enfrentamento da crise ambiental e das mudanças climáticas.


* Pedro: Coord.da Rede Bras. de Ecossocialistas; membro do Cons. Edit. do Jornal Brasil de Fato / Esther: geógrafa e jornalista; Gerente-Exec. do Fórum Bras. de ONGs e Mov. Sociais pelo Meio Ambiente e Desenvolvimento. Ambos do Cons. Consult. Terrazul

Fonte: Adital

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